Que viva de guardar alheio gado;
De tosco trato, d’ expressões grosseiro,
Dos frios gelos, e dos sóis queimado.
Tenho próprio casal, e nele assisto;
Dá-me vinho, legume, fruta, azeite;
Das brancas ovelhinhas tiro o leite,
E mais as finas lãs, de que me visto.
Graças, Marília bela,
Graças à minha Estrela!
Eu vi o meu semblante numa fonte,
Dos anos inda não está cortado:
Os pastores, que habitam este monte,
Com tal destreza toco a sanfoninha,
Que inveja até me tem o próprio Alceste:
Ao som dela concerto a voz celeste;
Nem canto letra, que não seja minha,
Graças, Marília bela,
Graças à minha Estrela!
Mas tendo tantos dotes da ventura,
Só apreço lhes dou, gentil Pastora,
Depois que teu afeto me segura,
Que queres do que tenho ser senhora.
É bom, minha Marília, é bom ser dono
De um rebanho, que cubra monte, e prado;
Porém, gentil Pastora, o teu agrado
Vale mais q’um rebanho, e mais q’um trono.
Graças, Marília bela,
Graças à minha Estrela!
Os teus olhos espalham luz divina,
A quem a luz do Sol em vão se atreve:
Papoula, ou rosa delicada, e fina,
Te cobre as faces, que são cor de neve.
Os teus cabelos são uns fios d’ouro;
Teu lindo corpo bálsamos vapora.
Ah! Não, não fez o Céu, gentil Pastora,
Para glória de Amor igual tesouro.
Graças, Marília bela,
Graças à minha Estrela!
Leve-me a sementeira muito embora
O rio sobre os campos levantado:
Acabe, acabe a peste matadora,
Sem deixar uma rês, o nédio gado.
Já destes bens, Marília, não preciso:
Nem me cega a paixão, que o mundo arrasta;
Para viver feliz, Marília, basta
Que os olhos movas, e me dês um riso.
Graças, Marília bela,
Graças à minha Estrela!
Irás a divertir-te na floresta,
Sustentada, Marília, no meu braço;
Ali descansarei a quente sesta,
Dormindo um leve sono em teu regaço:
Enquanto a luta jogam os Pastores,
E emparelhados correm nas campinas,
Toucarei teus cabelos de boninas,
Nos troncos gravarei os teus louvores.
Graças, Marília bela,
Graças à minha Estrela!
Depois de nos ferir a mão da morte,
Ou seja neste monte, ou noutra serra,
Nossos corpos terão, terão a sorte
De consumir os dois a mesma terra.
Na campa, rodeada de ciprestes,
Lerão estas palavras os Pastores:
“Quem quiser ser feliz nos seus amores,
Siga os exemplos, que nos deram estes.”
Graças, Marília bela,
Graças à minha Estrela!"
Na Lira I, do livro Marília de Dirceu, o eu-lírico começa se apresentando para Marília. Ele fala de seus dotes e de suas riquezas, de seu pasto e suas ovelhas, que lhe dão conforto e vida boa. Dirceu fala sobre sua juventude e sobre seu talento com o canto e com a música e diz que é invejado por isso.
Dirceu diz também que, embora tenha toda essa riqueza que o pasto e o rebanho lhe proporciona, isso de nada vale se ele não tiver o amor de Marília e que tudo que pode dar a ela é apreço.
Ele descreve o modo como vê Marília, diz que sua face é cor de neve e cabelos de ouro. Dirceu diz a Marília que ela terá uma vida feliz e confortável ao lado dele e que serão felizes até a morte, pois terão a sorte de consumir a mesma terra, e que serão lembrados com apreço pelas outras pessoas.
CARACTERÍSTICAS DO ARCADISMO
Na lira, várias características do arcadismo são percebidas. São elas:
- A idealização da mulher amada, como vemos no quarto parágrafo, onde Dirceu descreve Marília. Ele fala sobre sua face, seus olhos, seus cabelos e seu corpo. Fala de como ela é gentil e como ele a ama.
- A valorização da vida no campo durante toda a lira, quando ele fala de sua vida tranquila e confortável no campo, com seu pasto e suas ovelhas.
- A mediocridade áurea (mediocridade dourada), quando ele deixa claro que a sua riqueza e seu poder é medíocre e de nada vale se ele não tiver o amor de Marília.
- O pastoralismo também é predominante. Durante a lira, Dirceu se refere a Marília e a outros personagens usando pseudônimos e chamando-os de pastores/pastora.
GLOSSÁRIO
- Semblante: rosto, fisionomia.
- Papoula: Planta de cujas flores se obtém o ópio (substância usada como narcótico).
SITUAÇÃO HISTÓRICA: "Do ponto de vista histórico, o século XVIII é o século das luzes, momento em que se desenvolve uma visão científica do mundo. A ciência e o racionalismo constituem as luzes com que se costuma caracterizar o século. A razão ilumina, ilustra; daí as palavras iluminação e ilustração que caracterizam as manifestações culturais do momento, o conjunto das tendências características. No campo da literatura, o Neoclassicismo representa, nas diversas literaturas europeias uma generalizada reação contra o Barroco, sob o irresistível impulso do pensamento racionalista dominante em toda a Europa a partir do século XVIII..." -- http://www.resumosdelivros.com.br/t/tomaz-antonio-gonzaga/marilia-de-dirceu/
Nancy Barros
Número - 29
1 "C"
Bom dia!
ResponderExcluirProcure duas assonâncias na primeira parte do livro e coloque no blog. Cada aluno coloca duas assonâncias distintas. Tenha uma boa semana.
Professor Ivan
Bom adorei sua lira, a sua interpretação , características e o glossário
ResponderExcluirEntendi o que foi explicado.
Juliana Araujo
N°:19
Suas explicações foram ótimas, achei a situação histórica bem interessante.
ResponderExcluirStefanny Sarah
Numero:35
Parabens sua interpretação foi bem explicada assim como as caracteristicas e o glossario.
ResponderExcluirJhully Thais -17